
Lançado nos cinemas brasileiros em fevereiro de 2025, O Brutalista é uma obra de ficção que examina de maneira melancólica e intensa a imigração judaica no pré-guerra. Ambientado no final dos anos 1940, o filme desconstrói o chamado "sonho americano", evidenciando a dura realidade dos imigrantes judeus nos Estados Unidos. Com uma direção sublime, de Brady Corbet, e com um bom trabalho de atuação, a narrativa enfatiza o contraste entre a promessa de um recomeço e as barreiras invisíveis que impedem a integração dos recém-chegados. Ao explorar a exclusão e suas nuances, O Brutalista evidencia, até de forma irônica, como um país fundado por imigrantes pode tratar com tanto desprezo aqueles que compartilham do mesmo destino. Mais do que um drama histórico, o filme se revela como uma reflexão sobre identidade, pertencimento e resistência em um ambiente que constantemente rejeita o diferente.

A dura realidade dos imigrantes logo se impõe. Longe de serem acolhidos, os recém-chegados encontram um país que os vê com desconfiança e hostilidade. A promessa de oportunidades rapidamente se revela um sistema que só os aceita quando há algo a extrair em troca. O preconceito não se manifesta apenas na burocracia ou nas barreiras institucionais, mas também nas interações diárias, onde a exclusão se torna parte da rotina. A cada cena, sentimos esse peso, essa constatação amarga de que, mesmo cumprindo todas as exigências impostas, a aceitação plena nunca chega. O Brutalista nos força a encarar essa contradição sem concessões, expondo as nuances de uma sociedade que se constrói sobre um ideal que nem todos podem alcançar.

Adrien Brody entrega uma performance visceral no papel de László Toth, o protagonista que carrega na pele e na alma as cicatrizes de uma sociedade que não o quer. Seu olhar transmite exaustão, sua postura reflete o desgaste constante de quem precisa provar seu valor a cada instante. Felicity Jones e Joe Alwyn, como Erzsébet Tóth e Harry Lee Van Buren, complementam a trama com atuações sólidas, embora sem tanto espaço para aprofundamento emocional. Já Raffey Cassidy e Ariane Labed interpretam Zsófia em diferentes fases da vida, porém sem brilho significativo, não por falta de talento, mas pelo roteiro que limita suas oportunidades de explorar nuances dramáticas. Isaach de Bankolé também merece destaque como Gordon, amigo de László. Sua atuação traz nuances importantes à trama, ajudando a explorar ainda mais a dinâmica entre os personagens centrais.
O grande antagonista, vivido por Guy Pearce, personifica a hipocrisia do "sonho americano", cínico, pragmático e movido unicamente por interesses financeiros, ele manipula e descarta pessoas conforme sua conveniência. Seu personagem é a síntese cruel do capitalismo impiedoso, uma força que molda o destino de László e de tantos outros.

A construção narrativa do filme é meticulosa. O desenvolvimento da trama acompanha a transformação gradual de László, que inicia sua jornada como um homem desesperançoso, mas que encontra uma oportunidade de reacender sua paixão. No entanto, conforme avança, a dura realidade do novo ambiente se torna cada vez mais opressora e desgastante, transformando sua esperança inicial em um fardo crescente. Sua trajetória não segue um arco convencional de amadurecimento, mas sim uma progressiva deterioração imposta por desafios constantes.
Os demais personagens também apresentam um desenvolvimento perceptível, ainda que suas complexidades emocionais não sejam tão aprofundadas. Há, no entanto, uma sensação de movimento e crescimento, pois, mesmo fora de tela, suas vidas continuam a evoluir. O filme utiliza saltos temporais como ferramenta narrativa para demonstrar a progressão dos conflitos e as consequências de decisões tomadas no passado. Com uma duração superior a três horas, a obra dá tempo suficiente para que as relações interpessoais e emocionais se desenrolem organicamente, permitindo também momentos de respiro para o público absorver os cenários e suas nuances narrativas.

A fotografia é um espetáculo à parte. Cada cena daria um quadro pela beleza e composição visual, utilizando luz, sombra e enquadramentos para reforçar a carga emocional da narrativa. A câmera se mantém estável em diversos momentos, mas também alterna com cenas filmadas em estilo de câmera de mão, trazendo tremores e uma sensação documental que intensifica a imersão. Takes longos ampliam a sensação de presença e desconforto, fazendo com que o espectador se sinta parte daquele espaço, incapaz de desviar o olhar.
O filme minimiza cortes, forçando o espectador a confrontar a realidade sem distrações ou escapismos visuais. Cada detalhe, cada expressão, cada silêncio e cada absurdo em tela são exibidos sem concessões. O espectador se torna passivo diante dos acontecimentos, compartilhando a impotência dos personagens, sentindo-se pequeno em um cenário onde tudo é grandioso. Essa escolha técnica não apenas aprofunda a experiencia, mas também reforça a sensação de confinamento e sufocamento diante das circunstâncias imutáveis que cercam os personagens.

A trilha sonora, presente em grande parte do filme, não é apenas um complemento, mas um elemento narrativo ativo que amplifica a experiência emocional. Os temas musicais reforçam a melancolia e destacam momentos de reflexão, mas também surgem para trazer esperança e uma leveza inesperada em cenas onde a felicidade se manifesta. Em sintonia com os planos prolongados, a música não apenas acompanha, mas molda a percepção do espectador, transformando instantes aparentemente simples em poderosas experiências sensoriais que potencializam a conexão com os personagens e suas trajetórias.

O brutalismo, enquanto movimento estético arquitetônico que dá nome ao filme e que rege a filosofia de László Toth, emerge como uma grande metáfora artística. A forma segue a função, sem adornos desnecessários, mas sem abrir mão de uma estética própria. O brutalismo valoriza o emprego de materiais crus, apresentando a matéria-prima em seu estado mais natural e bruto possível, ressaltando a verdade estrutural da construção. O mesmo se aplica à jornada de László, não há espaço para ilusões, apenas para a dura realidade da sobrevivência. Para László, a arte é pura expressão, desprovida de interesses comerciais. Ele é um idealista incorrigível, um verdadeiro sonhador que busca criar obras que reflitam sua visão artística e existencial. Em contrapartida, Harrison Lee Van Buren, interpretado por Guy Pearce, personifica a frieza para com o mercado artístico. Para ele, a arte não passa de um ativo comercial, algo a ser explorado para lucro e status.
Essa oposição entre criador e comerciante estrutura um dos principais conflitos do filme, destacando a luta entre autenticidade e mercantilização da arte. Suas construções refletem sua identidade fragmentada, sua tentativa de deixar um legado em um mundo que insiste em apagá-lo. No filme, essa ideia se expande para além do tema do legado, suas construções refletem o próprio protagonista, com estruturas de cimento e corredores internos que, por vezes, carregam uma complexidade emocional latente.

No final, O Brutalista é uma obra que se mantém na memória não apenas pela densidade de sua narrativa, mas pela forma como ressoa com temas universais. Assim como suas construções, a trajetória de László é marcada pela resistência ao apagamento e pela busca de um espaço no mundo. Seu legado é esculpido na dureza do concreto e da exclusão, mas também na autenticidade de sua visão artística. O filme encerra sem oferecer soluções fáceis, mas deixa uma impressão duradoura ao nos lembrar que arte, identidade e memória são inseparáveis. Com uma temática atemporal, é perceptível que O Brutalista tem a pretensão de continuar relevante nos próximos anos, provocando discussões sobre exclusão, resistência e o preço de se deixar um legado.


Siga nossas redes sociais e inscreva-se em nosso Canal no Youtube!
Twitter: @realcanalbang
Instagram: @canalbangoriginal
Facebook: http://facebook.com/canalbangoriginal
Comments